18 junho 2014

o meu amigo poeta (XLIII)

 “Por aqui?”, perguntou Rita, muito calmamente.

Curiosamente, a primeira reacção do meu amigo poeta, afinal um homem da palavra, foi absolutamente física. Primeiro, pôs-se hirto e pálido, quase translúcido, como se o sangue todo lhe houvesse abandonado o corpo num único instante. Depois, o rosto avermelhou-se e a respiração, que antes quase estancara, rearrancou com violência.

Ela olhava-o com a expressão fechada que usava habitualmente, com uma indiferença e uma serenidade que chegavam a ser perturbantes. Perante o silêncio do meu amigo poeta, insistiu:

Tudo bem?”

É neste momento que o meu amigo poeta explode, ou melhor, tenta explodir, porque, apesar de abrir a boca e de a vontade de gritar ser nítida, não foram palavras nem berros o que saiu do seu corpo. Começa a gesticular com largura, intensidade, irregularidade, em lanços bruscos e desconexos, rapidamente interrompidos, enquanto balbucia e balbucia coisas ininteligíveis, um homem no pico da sua desorientação. Depois desiste e bufa e ronca. Sim, isso, o meu poeta bufou muito e com muita força, tanto que acabou por provocar no rosto de Rita o surgir de uma expressão genuinamente preocupada, ou pelo menos assim o pareceu, porque ela franziu o sobrolho antes de perguntar:

Estás bem?”

E nisto o meu amigo poeta pôs-se muito sério, numa tentativa frustrada de manter a dignidade e simular alguma indiferença perante aquela terceira afronta, a dignidade e a indiferença que nele não existiam precisamente por causa daquela mulher. Eram sobretudo os olhos que o traíam, tremiam e disparavam ódio, sem conseguirem despregar-se do rosto dela. Assim que falou, o estado alterado em que se encontrava tornou-se ainda mais evidente.

Foda-se”, disse o meu amigo poeta.

Rita arregalou os olhos por um instante, antes de abanar a cabeça para os lados, incrédula. Desta vez, foi ela que não conseguiu falar.

Fez-se um silêncio constrangedor. Neste momento, já toda a gente que ali estava olhava para os dois da mesma forma que olharia para os animais do jardim zoológico, em exposição dentro das respectivas jaulas.

Foda-se”, repetiu o meu amigo poeta.

E saiu dali a correr.

Rita não soube o que fazer. Olhou para mim como se eu pudesse ajudar, mas eu não sabia como. Abri os braços e encolhi os ombros, numa expressão de impotência.

Desculpa”, disse eu, porque ela não parava de olhar para mim.

Não faz mal. A culpa é minha”, disse ela.

Tentei ajudar. A cara dela, sempre como se estivesse a pedir a ajuda, era difícil de suportar sem reagir. Perguntar-lhe se não queria ir fumar um cigarro e apontar para a saída foi o melhor que consegui improvisar. Ela aceitou. Disse que sim, claro que sim, e a expressão era de alívio, por poder fugir daquela multidão de olhares de esguelha. Saímos. Lá fora, acendemos cigarros. Passámos alguns instantes a fumar em silêncio.

Bem. Calculo que ele me deve odiar neste momento”, disse Rita.

Não te preocupes. Isso passa-lhe. Sempre teve queda para dramatismos”, respondi.

Eu não queria que as coisas tivessem acontecido desta maneira”, continuou ela. “Não queria mesmo.”

Era a primeira vez que a via assim. Afinal, ela não é um bloco de gelo, pensei eu. Queria percebê-la. Hesitei um pouco antes de perguntar:

Porque é que fizeste aquilo?”

Aquilo?”

Sim. Desaparecer assim.”

É complicado”, disse ela. Deu uma passa no cigarro, pensativa. “Ele assusta-me um bocado.”

Claro. É maluco.”

Rita deixou escapar uma gargalhada.

Não! Dessa parte até gosto.”

Então? Qual é a parte da loucura dele que te preocupa?”

Acho que é a parte de ele precisar demasiado de mim. De precisar demasiado de me ter por perto.”

Foi neste momento que uma voz, vinda de trás de nós, nos interrompeu.

Não sei o que é que lhe deu essa ideia, menina.”

O meu amigo poeta estava sentado na soleira da porta do edifício contíguo à galeria. Pelos vistos, tinha ouvido a conversa toda, até porque estava a olhar para nós com ar de quem se sente muito entretido.

Estiveste aí durante este tempo todo?”, perguntou Rita. “E, por amor de Deus, podes parar de me tratar por menina o tempo todo? Já cansa.”

Estive, sim, menina”, respondeu o meu amigo poeta com um sorriso de troça estampado no rosto.

E não sabias dizer nada?”

Para quê? Estava a gostar. Além disso, não tenho grande prazer em interromper conversas alheias.”

Pelos vistos, ouvi-las não te incomoda assim tanto.”

É. Especialmente quando são sobre mim.”

Sobre ti? Como é que consegues ser tão egocêntrico?”

Houve uma pausa. O meu amigo poeta mudou o ângulo de ataque.

Tens uma maneira muito estranha de pedir desculpa”, disse ele. “E continuo a não perceber muito bem porque é que achas que preciso demasiado de ter perto.”

É assim tão difícil entender?”

É. Não tem grande relação com a realidade.”

Ai não?”

Não.”

E aquela conversa toda de quereres que me mudasse para tua casa? Não tem nada a haver com o assunto, claro.”

O meu amigo poeta começava a perder as estribeiras. Pôs-se de pé. Rita aproximou-se dele. Mais uma vez, eu não sabia bem o que fazer. Provavelmente, teria feito melhor em deixá-los sozinhos, mas estava tão confuso que a ideia nem me passou pela cabeça.

Uma coisa é querer ter uma pessoa por perto. Outra coisa é precisar dela”, disse o meu amigo poeta.

Talvez. Mas não foi nada disso que se passou”, respondeu Rita.

Não sei o que é que te deu essa ideia.”

Talvez a forma como insististe e insististe e insististe.”

Não sei se isto conta para alguma coisa, mas tenho uma vaga ideia de teres concordado.”

Rita suspirou, farta daquela conversa. A sua expressão tornou-se mais focada, mais calma.

Sabes qual é a tua sorte?”, perguntou ela.

Sorte? Qual sorte? Não, não estou a ver.”

É que eu também dei por mim a precisar de ti. Apesar de seres um idiota com as mulheres.”

Nesse caso, menina, talvez tivesse sido melhor não ter andado a brincar com os meus sentimentos.”

A brincar com os teus sentimentos!”, respondeu ela, com uma gargalhada irada. “Vês como eu tenho razão?”

Não, não estou a ver.”

Uma frase tão imbecil só podia ser dita por alguém que precisa mesmo de alguém a seu lado.”

Na melhor das hipóteses, Rita, precisei. Seja o que for, faz parte do passado.”

Cala-te, estúpido! Achas que sou assim tão burra?”

Calo-me? E quando é que eu te cha...?”

O meu amigo poeta não conseguiu terminar o seu protesto. Rita empurrou-o contra a porta, lançou-se a ele, agarrou-o e espetou a sua boca contra a dele. Ele ainda tentou resistir, mas o fracasso foi quase imediato. Daí a pouco, era tal a confusão de línguas, saliva, roçares de pernas e virilhas, mãos dele no corpo dela e mãos dela no corpo dele, que me decidi, finalmente, a regressar ao interior da galeria.


Já Rita e o meu amigo poeta, mais ninguém os viu nessa noite. Felizmente.

22 maio 2014

o meu amigo poeta (XLII)

Nos dias que se seguiram, a reabilitação sentimental do meu amigo poeta processa-se em moldes que poderiam ser caracterizados como normais. Isto, claro, se esquecermos o facto de que a normalidade de uma coisa, qualquer que ela seja, nunca a caracteriza. Enfim, outros assuntos. O que pretendo dizer é que, aos poucos e poucos, o meu amigo poeta lá foi regressando à normalidade. Isto, claro, se esquecermos o facto de que o meu amigo poeta nunca foi muito normal. Mas creio que massacrar neste momento o leitor com assuntos que o leitor decerto conhecerá já não será muito útil. Adiante, portanto. Resumamos: o meu amigo poeta ia recuperando. Tomou banho, fez a barba e cortou o cabelo. Arranjou outro trabalho. Ainda hoje não percebo muito bem como conseguia ele trocar de ofício com tanta frequência, mas deixemos ainda este assunto para um momento mais adequado. Trocou o whisky pelo bagaço e a sua dieta musical voltou a ser caracterizada pelo ecletismo anterior. E, talvez o mais importante de tudo, regressou ao seu real ofício. O que equivale a dizer que voltou a escrever os seus poemas. É digno de enfoque o facto de nenhum deles se debruçar sobre o tema do amor. Sucedeu antes o contrário. O meu amigo poeta, por aquela altura, andava de caneta em punho às voltas com a morte. À primeira vista, dir-se-ia que a escolha do tema não fazia grande sentido face ao contexto que ele vivia. Um segundo olhar, porém, pode revelar uma relação mais estreita entre os dois temas, nem que esta seja uma relação de contraste, conflito, ou radical oposição.

Devem ter passado um ou dois meses até que o Mendonça termina um dos seus ciclos. O que não tem nada de estranho, já que ele esculpia sempre por ciclos, mas constitui o motivo para que surgisse o momento de os mostrar ao público. Eu e o meu amigo poeta estávamos, claro, convidados para a exposição. Eu fui porque o Mendonça era meu amigo e porque as obras me interessavam. Quanto ao meu amigo poeta, pode dizer-se que os motivos da sua comparência no evento se deviam mais ao facto de ver nele uma oportunidade de comer e beber à vontade e sem gastar um tostão. Até porque grande parte da fauna que aí encontraria não lhe inspirava, segundo os seus próprios termos, grande confiança ou curiosidade. E, nisso, creio que o percebia tão bem então como hoje. A forma como as pessoas se comportam nesse tipo de ocasiões faz-se de tudo menos honestidade e genuinidade. A maior parte das pessoas faz o contrário: tenta parecer aquilo que não é. Tenta parecer mais sensível, mais entendida, mais moderna, mais crítica, mais opinativa do que no seu quotidiano. E as indumentárias que arrastam consigo mais não fazem do que sublinhar esta breve mudança de atitude. Normalmente, numa exposição, as pessoas têm tendência a arriscar mais, pelo simples motivo de que querem atrair um pouco mais de atenção. E os resultados não são bonitos.

Mas atalhemos. Às cinco e meia da tarde, lá estávamos, eu e o meu amigo poeta, na galeria. O Mendonça cumprimentou-nos com um sorriso largo. Trocámos abraços e palavras de circunstância, antes de ele nos confidenciar:

O vinho está ali, atrás daquela mesinha. Vejam as coisas e tal, que eu passo lá depois. O tinto é pomada. Aproveitem. Depois digam-me o que é que acharam. Das esculturas. Não do vinho, claro, que esse já sei que é bom.”

Aceitámos a recomendação. Demos a voltinha da praxe. O meu amigo poeta torceu o nariz à maior parte das esculturas.

Às vezes, não percebo onde é que este gajo tem a cabeça”, resmungava ele.

Vê lá isso depressa, para irmos ao vinho.”

Ninguém te obriga a veres isto à mesma velocidade que eu. Se tens pressa, acelera para aí.”

O meu amigo poeta franziu o sobrolho. Percorreu o resto das obras com uma despreocupação e uma ligeireza desconcertantes e, assim que o fez, estacionou ao lado da mesa das bebidas.

Devia estar já no quarto ou quinto copo, quando uma voz familiar o sobressaltou.


Por aqui?”, perguntou Rita, muito calmamente.

20 maio 2014

o meu amigo poeta (XLI)

Aceitei o convite do meu amigo poeta, claro.

Falámos pouco durante o jantar. No fim da refeição, deslocámo-nos até à varanda, cada um com a sua caneca de café e um copo na mão, para que eu pudesse fumar à vontade. Acendi um cigarro, enquanto o meu amigo poeta abria uma garrafa de uísque e começava a tratar de encher os copos.
Observei-o pelo canto do olho. Era difícil habituar-me à ideia de que era mesmo ele. O cabelo já longo, oleoso e desmazelado, a barba de dimensão épica, onde era possível encontrar pedaços de lixo. Estava mais magro, os movimentos eram mais pesados. Tudo nele era de uma lentidão muito contida, desanimada.

Por esta é que eu não esperava”, disse eu, assim que ele me encheu o copo.

Então?”

O meu amigo poeta de coração partido...”

O meu amigo poeta não respondeu. Quando falou, fê-lo de um modo muito sério.

Não estou assim tão mal.”

Nota-se.”

Oh. Tangas.”

Quase que deixaste os bifes cozerem!”

E isso prova alguma coisa?”

E a tua figura? Tens-te visto ao espelho? Tens-te pesado?”

E se te calasses?”

Pronto. Se queres mudar de assunto, mudamos de assunto.”

Em vez de mudarmos de assunto, gerou-se um silêncio incómodo. Coisa que, curiosamente, costuma suceder quando duas pessoas tentam forçar-se a mudar de assunto. Ou mesmo forçar-se a fazer qualquer coisa, qualquer que seja a sua natureza. Esse tal silêncio foi longo. Por fim, o meu amigo poeta suspirou. Olhou para o céu antes de falar.

Foda-se. O problema é que não percebo nada desta merda.”

Voltei-me para ele, expectante.

Ela vinha morar para cá”, prosseguiu o meu amigo poeta, “já estava tudo combinado. Ia mudar um monte de coisas de sítio e tudo. E depois, puf. Desaparece. Assim, sem mais nem menos. Desaparece.”

Houve outra pausa.

Bem. Já ouvi dizer que os poetas são maus amantes. Pelos vistos, é verdade”, disse eu.

O meu amigo poeta devolveu-me um olhar irado. O rosto enruberesceu. O tom de voz era crispado.

O que é queres dizer com isso, caralho?”

Larguei a rir às gargalhadas.

Ele manteve-se sério durante mais uns momentos. Por fim, acabou por rir-se também. Era a primeira vez naquela noite. Provavelmente, era a primeira vez que se ria nos últimos meses.

Raios te partam, pá. Se não fosses meu amigo, era gajo para te partir a cara.”

Pois, pois. Bem que podias tentar.”

O meu amigo poeta riu-se outra vez, agora de forma mais contida. O seu olhar era já mais vivo. Um sorriso ténue instalou-se-lhe na fronte.

Obrigado, pá. Estava a precisar disto.”

Ergueu o copo na minha direcção. Ergui também o meu.

À tua!”

À nossa!”

Depois, a noite tornou-se uma noite normal. Gastámos aquelas horas despreocupadamente. Conversámos sobre banalidades, conversámos sobre assuntos sérios, conversámos sobre os homens e sobre as mulheres, sobre amigos e amantes.

E esvaziámos aquela garrafa, eu e o meu amigo poeta.

15 maio 2014

o meu amigo poeta (XL)

Apesar de não ter notícias de Rita, o meu amigo poeta mantém-se relativamente calmo durante dois ou três dias. Depois, surge a inquietação. Procura-a em casa, na tabacaria onde se viram pela primeira vez. Telefona ao Ramalho e ao Mendonça, chega mesmo a ligar para minha casa, embora saiba que as hipóteses de eu saber de alguma coisa são quase nulas. À medida que vai repetindo o processo, durante a semana seguinte, a inquietação transforma-se em angústia. Percebe que encontrá-la em nada depende dos seus esforços, tenta retomar o seu quotidiano normal.

Volta e meia, no café, o seu olhar torna-se triste. É como se os seus olhos não vissem, como se se limitassem a olhar. Suspira frequentemente. A pose torna-se a cada dia mais indolente e mais mole, o olhar ausenta-se progressivamente. Quase não fala. Depois, vai-se abaixo de uma forma que ninguém seria capaz de antecipar. Deixa de sair de casa. Liga para o trabalho a dizer outra vez que está doente. Qualquer coisa do fígado, acha ele, mas não sabe bem o quê e não se quer pôr a gastar dinheiro em médicos. A parte relevante é que a maleita é incapacitante. Não pode, de modo nenhum, ir trabalhar.

Nos dois meses seguintes, eu, o Mendonça e outros dos seus amigos bem que tentamos visitá-lo, bombardeamo-lo com convites, mas nada. Era teimoso que nem uma porta, não havia nada a fazer. Estava decidido a não sair e pronto. Começa a acordar cada vez mais tarde. Passa o tempo a beber e a ouvir blues. Troca o bagaço por whisky. Sente-se apático, sem vontade de agir, é como se por obra divina toda a sua energia tivesse sido aspirada por uma entidade desconhecida. À noite, por vezes, arrasta uma cadeira para a varanda. Senta-se, bebe. Fica a ouvir o burburinho do trânsito ao longe, entretem-se a tentar distinguir, sem grande ânimo, as formas das coisas no escuro e pouco mais. Deixa de tomar banho. Deixa de se barbear. Deixa de lavar os dentes. O lixo acumula-se pela casa. Come muito menos do que habitualmente. Por vezes, vagueia de umas divisões para as outras, muito lentamente, e dá por si a meio do caminho sem saber muito bem o que está ali a fazer. Mais grave do que isso, deixa de escrever. É a primeira vez em anos que passa tanto tempo sem sequer aproximar a caneta do papel.

Pensa em Rita demasiadas vezes. Não percebe nada do que se passou. Passa horas a imaginar o que lhe diria se ela estivesse ali. Imagina também o que lhe responderia ela, quais seriam as desculpas, as justificações, os protestos. Dentro da sua própria cabeça, o meu amigo poeta discute longamente com ela. Por vezes, exalta-se um pouco mais e, quando se apercebe, está mesmo a falar sozinho, o rosto voltado para a sua frente como se ela estivesse mesmo ali. Sente-se um imbecil por estar assim, mas não consegue agir de outra forma. Só lhe dá para aquilo, para se comportar como um adolescente de coração partido. Coisa que o confunde ainda mais, que o leva a embrenhar-se ainda mais na cadeia do seu pensamento. Fá-lo sentir vergonha, um forte confrangimento para consigo mesmo.

Finalmente, lá há um dia em que se sente um pouco mais enérgico, um pouco mais lúcido. Percebe que aquilo não pode continuar. Em minha casa, o telefone toca. Atendo. A resposta chega numa voz arrastada:


Não queres vir cá jantar hoje?”, pergunta o meu amigo poeta.

13 maio 2014

o meu amigo poeta (XXXIX)

Na semana seguinte, o meu amigo poeta volta a encontrar Rita, novamente por intermédio de Mendonça e de Ramalho. Eu também estou presente. Falam um com o outro sem grande entusiasmo. Evitam responder um ao outro. Quando se olham, fazem-no com expressões de indiferença.

Há um momento em que o meu amigo poeta faz uma piada qualquer. Rita é a única que se ri. As coisas evoluem novamente. Passam a falar mais. Tornam-se mais calorosos um com o outro. Percebem que se entendem. Distraem-se naquilo e acabam por beber outra vez mais do que os restantes convivas, que estranham tudo aquilo, mas não interferem. Contudo, não bebem tanto como da outra vez.

No fim da noite, o meu amigo poeta disponibiliza-se para a acompanhar a casa, apesar de esta ficar na outra ponta da cidade. Rita hesita, mas aceita a proposta. Quando chegam, convida-o a subir, mas explica-se logo:

É só para tomar um café”, diz ela. “Ia-me saber bem a companhia.”

Parece-me bem”, responde o meu amigo poeta.

Sobem as escadas. Tomam café. Conversam sobre a falta que faz a decoração. O meu amigo poeta diz que, apesar de estar há anos na mesma casa, a dele não está muito melhor. Ela acha isso curioso. E a ele também, também o acha curioso. Ele pergunta porquê. Ela responde que ele é um homem interessante. Ele não sabe o que há-de dizer, por isso mantém-se calado. Mais vale não estragar agora tudo com comentários disparatados, pensa ele, é melhor assim, parecer interessante. Ela diz que gostava de um dia ver a casa dele. Ele pergunta porquê. Curiosidade, responde ela. Tem um sorriso matreiro, sabe que lhe fica bem. O meu amigo poeta diz que teria todo o gosto, ela dá uma gargalhadinha muito seca e curta, ainda mais matreira. Ele insiste, diz que está a falar a sério, que ela pode ir lá no dia seguinte. Ela diz que não é má ideia. Ele diz que no dia seguinte nem tem muito que fazer. Ela repete que não é má ideia, diz que fica combinado. Neste ponto, o meu amigo poeta arrisca. Diz que se calhar nem valia a pena pôr-se a caminho. Porque não dormir ali? Assim, de manhã poderiam ir os dois. Ela faz uma pausa que o assusta. O meu amigo poeta dá uma gargalhada, tentando dar a ideia de que não estava a falar a sério. Corre-lhe bem, porque ela acha piada.

Não é má ideia”, diz ela pela terceira vez.

O meu amigo poeta passa a noite com Rita. Fazem amor duas vezes. Nada de excepcionalmente bom, nada de excepcionalmente decepcionante. Desta vez, ninguém adormece em cima de ninguém durante o acto. No dia seguinte, o meu amigo poeta é o primeiro a acordar. Olha para ela. Gosta do que vê. Chega mesmo a sentir alguma emoção. Talvez carinho seja uma palavra exagerada. Mas sente alguma coisa. Decide arriscar. Levanta-se, veste-se e vai embora antes de ela acordar.

Mais tarde durante essa semana, o telefone do meu amigo poeta toca. Rita está do lado de lá. Convida-o para jantar. Quer conhecer melhor a cidade, ele podia escolher um sítio. O meu amigo poeta tenta não soar demasiado interessado na proposta, mas aceita, claro. Quando pousa o telefone, está todo contente.

O jantar corre bem. Conhecem-se melhor. O meu amigo poeta leva-a a casa, mostra-lhe poemas porque ela lhe pede. Ela lê, enquanto o meu amigo poeta se sente exposto. Ela diz que não desgosta. São bonitos, gosta das palavras, acha que têm força. No entanto, alguns não fazem muito sentido para ela. Conversam até tarde, sobre os poemas e sobre outras coisas. Dormem juntos outra vez, depois de fazerem amor uma vez. Desta vez, olham-se melhor. Entrelaçam-se no fim, deixam-se ficar assim até caírem no sono. De manhã conversam um pouco enquanto tomam café e comem torradas, depois de o meu amigo poeta se desculpar por não ter grande coisa para comer em casa. Quando se despedem, ela abraça-o. O meu amigo poeta sente-se desarmado. Durante os dias que se seguem, só fala naquilo. Escreve alguns dos poemas mais melosos da sua vida durante esse período.

Durante o mês seguinte, vêem-se mais vezes, cada vez com maior frequência. A dada altura, apercebem-se de que dormem juntos mais vezes do que sozinhos. Rita passa três dias em casa do meu amigo poeta, que liga para o trabalho a fingir que está doente. Ele percebe que gosta de a ter por perto, que conseguem partilhar o mesmo espaço sem se atrapalharem um ao outro. Pensa que ela pensa o mesmo. Diz-lhe que podia pegar nas coisas e mudar-se para lá. Rita pensa um pouco. Hesita. Discutem o assunto muito civilizadamente. Acabam por chegar a um acordo: de manhã, trarão as coisas e juntos tratarão de fazer algumas das alterações que ela lhe propôs ao apartamento.

No dia seguinte, o meu amigo poeta acorda e volta-se para o lado, ainda sem abrir os olhos, à procura dela. Já se habituou a tê-la por perto. O problema é que não está ali ninguém. Nem Rita, nem sombra de Rita.


Os três meses seguintes não serão fáceis para o meu amigo poeta.

08 maio 2014

o meu amigo poeta (XXXVIII)

Quando o meu amigo poeta acordou, estranhou primeiro o cheiro a tabaco. Doía-lhe a cabeça, o que não era de estranhar. Estava deitado, sozinho numa cama de casal cujos lençóis estavam completamente revolvidos. O quarto ostentava as marcas de uma ocupação recente. Havia duas malas de viagem ainda por abrir, a mobília reduzia-se ao essencial e não existia ali decoração alguma.

Rita, de roupão, estava sentada em frente à mesa vazia a terminar o café enquanto fumava um cigarro. O meu amigo poeta viu-a. Depois levantou o lençol. Estava nu. Pedaços da noite anterior vieram-lhe à cabeça e lá acabou por perceber porque é que estava ali.

Levantou-se com muito cuidado e avançou na direcção dela, muito devagarinho, nos bicos dos pés. Beijou-a na parte de trás do pescoço, ao de leve. Ela assustou-se. Com um pulo, voltou-se para trás, de boca aberta.

Depois, falaram os dois ao mesmo tempo:

Bom dia”, disse o meu amigo poeta, armado em don Juan, em tom muito suave.

Estás parvo?”, gritou ela, enfurecida.

Olharam-se por um momento, cada qual pasmado com a reacção do outro. Rita foi a primeira a recompor-se.

Pisga-te”, disse ela, “tenho montes de coisas para fazer.”

O meu amigo poeta ficou indignado.

Desculpe?...”, protestou ele.

Que é que foi? Ontem à noite foi ontem à noite. Já passou. Hoje é outro dia.
Não sou grande apreciadora de beijinhos no dia seguinte.”

O meu amigo poeta não sabia o que dizer. Estava nu, de pé, em frente a ela, e não se lembrava completamente do desfecho da noite anterior. Sentia-se desorientado, desarmado. Rita, satisfeita com o efeito das suas palavras, deu uma passa no cigarro.

A porta é ali”, disse ela, de braço estendido.

O meu amigo poeta ouviu aquilo e rosnou, mas não disse nada. Apanhou a sua roupa do chão, sentou-se no lado da cama e começou a vestir-se.
Estava já a abotoar a camisa, que estava toda manchada, quando se voltou para ela. Falou-lhe num tom frio:

O mínimo que se faz depois de fazer amor com alguém é oferecer-lhe um café pela manhã.”

Rita riu-se.

Não quando essa pessoa adormece em cima de ti”, respondeu ela. E acrescentou, marcando bem as palavras: “Não depois de fazer amor, mas durante.”

O meu amigo poeta pensou durante um instante antes de responder:

Se calhar, estava aborrecido.”

Rita bufou. O rosto começava a corar de raiva. A respiração tornava-se pesada.

Se calhar, estavas bêbado.”

O meu amigo poeta desistiu da discussão. Vestiu-se e, com um passe bem dos mais azedos, abriu a porta e foi-se embora. Ligou-me para passar no café e, à tarde, contou-me o que se tinha passado. Apesar de tudo, o seu orgulho de macho estava em grande.

Já viste isto?”, disse ele, sorridente, “adormeci em cima dela!”

E ria-se que nem um perdido. Falou daquilo durante montes de tempo. Começava a tornar-se difícil aturá-lo. Depois, chegou o Mendonça e contou-nos que se tinha deitado com a outra. Descreveu tudo com um grau de detalhe que me pareceu um pouco escusado, exaltando sempre que podia os seus dotes na arte do amor físico.


Pelo menos, o meu amigo poeta calou-se.

05 maio 2014

o meu amigo poeta (XXXVII)

Nascia já o dia quando, no carro de Rita, o meu amigo poeta estranhou o facto de não estar a reconhecer o caminho que percorriam. Parecia-lhe que estavam a afastar-se de sua casa e não a aproximar-se dela. Talvez não lhe tivesse dado as indicações correctas.

Que estranho”, disse o meu amigo poeta, “não estou a reconhecer o caminho. Não estaremos a dar uma volta do caneco?”

Rita não respondeu.

A Rita sabe por onde é que estamos a ir?”

Não é por onde, pá. É para onde.”

Como?”

Não é por onde estamos a ir, é para onde.”

Não estou a perceber.”

Neste ponto, Rita suspirou, exasperada pelas reduzidas capacidades dedutivas do meu pobre amigo poeta.

Estamos a ir para minha casa.”

Para sua casa?”

Desta vez, Rita bufou.

Sim, porra. Claro. E se calhar já era altura de me tratares por tu.”

O meu amigo poeta hesitou.

Não queria abusar”, disse ele.

Rita revirou os olhos. Houve uma pausa na conversa. Com uma manobra brusca, deu uma guinada no volante, fazendo o carro trepar o passeio e estancar. O meu amigo poeta, além de se ter assustado, não estava a perceber nada daquilo. Olhou para ela. Viu-a puxar o travão de mão e inspirar fundo antes de se voltar para ele, muito séria.

Ouve lá, tu não queres foder?”

Silêncio. O meu amigo poeta, cheio de vergonha, pôs-se a limpar os óculos. Tentou pensar em alguma coisa interessante para dizer. Quando falou, tentou fazê-lo com segurança, mas a voz tremia-lhe:

Gosto mais da ideia de fazer amor”, disse ele. “Mas sim, claro que sim. Pode ser.”

Rita deixou escapar uma gargalhada.

Tu és sempre assim?”

Assim, como?”

Que personagem!”


E arrancou tão bruscamente como antes parara, ignorando por completo o olhar de protesto que o meu amigo poeta lhe lançou.

01 maio 2014

o meu amigo poeta (XXXVI)

Decorreu, nessa estranha noite, um fenómeno chocante: o meu amigo poeta dançou. Sim, o meu amigo poeta dançou. O meu amigo poeta, que nunca dançava, pois abundavam os motivos para não o fazer. O maior pé de chumbo à face do planeta, capaz de elevar o conceito de descoordenação motora a patamares até então desconhecidos pela espécie humana, e cujo sentido de ritmo podia ser descrito muito facilmente, porque simplesmente não existia, dançou. O que talvez não seja o melhor termo para descrever o modo como o corpo do meu amigo poeta se move quando este ouve música, mas, enfim, à falta de outro verbo, admitamos que ele dançou. E tudo, claro, por causa de uma mulher: Rita.

Primeiro, convidou-o, mas o meu amigo poeta negou-se a pisar sequer a pista de dança:
Não há mal nenhum. Vá lá, que eu fico aqui à espera.”

Rita não foi, mas também não era mulher para aceitar um não como resposta assim tão facilmente. Mudou de estratégia. Desafiou-o. Troçou da sua falta de coragem. Contudo, o meu amigo poeta parecia resoluto:

Não”, disse ele, “de modo algum”.

Rita, claro, não abdicou. Pedinchou. Fez chantagem emocional. Fingiu que estava triste. Que precisava de se animar um pouco. Que a sua vida não andava grande coisa. Truques baixos, portanto. E o meu amigo poeta caiu que nem um patinho. Quando deu por si, o slow que lhe tinha prometido transformou-se em sonoridades mais mexidas. Quanto a Rita, segundo disse depois, divertiu-se que nem uma doida a vê-lo naqueles desmandos, sobretudo quando a figura de urso dançante que o meu amigo poeta fazia atingiu o seu píncaro, ao som da adequadíssima dancing fool de Frank Zappa. Para que o caro leitor possa ter noção do nível de arrojo que atingiu, o facto de o Mendonça me ter depois contado que o viu em cima de uma das colunas da discoteca a tocar o solo de guitarra num instrumento imaginário deve ser suficiente.

A música acabou quase de manhã, encerrando finalmente o triste espectáculo que o meu amigo poeta protagonizara.

Bem, parece que vamos embora”, disse ele tristemente, antecipando já o cair a pique de toda aquela euforia.

Pois”, disse Rita.

Foram à procura do Mendonça. O meu amigo poeta precisava de boleia e tinha calhado a Mendonça a tarefa de o transportar. Havia apenas um problema nesse plano. O Mendonça já não estava na discoteca, mas sim no seu atelier, com a outra amiga. O que não era de espantar, pois era um engodo que usava com frequência junto das fêmeas que despertavam o seu interesse. Elas tinham sempre de ver, oh sim, absolutamente, tinham mesmo de ver as esculturas para perceberem melhor.

Que merda”, lamentou-se o meu amigo poeta, já à porta do estabelecimento, imaginando a longa caminhada que agora teria de fazer.

Não faz mal”, disse Rita. “Eu levo-te. O meu carro não está assim tão longe.”


Ele sentiu-se um pouco embaraçado com aquilo. Não lhe apetecia muito terminar a noite a dar-lhe trabalho e, por qualquer motivo, vieram-lhe à cabeça as formas mais terríveis de aquele encontro chegar a um desfecho. Mas a escolha entre fazer aqueles quilómetros todos a pé, ou confortavelmente sentado no interior de um automóvel na companhia de Rita não era muito difícil. E o meu amigo poeta agradeceu e aceitou.

o meu amigo poeta (XXXV)

Depois, o bar. Não era um sítio péssimo, se tomarmos em consideração a atenuante de este episódio ter decorrido nos anos 80. O que isso significa, para aqueles que viveram esses tempos, é que o sítio também não valia muito a pena. Claro que tudo o que a década teve de bom (muito pouca coisa, na minha opinião) estava ali ausente. Se a palavra ABBA provocar calafrios ao estimado leitor, especialmente quando associada a bolas de espelhos, está do meu lado. Se não, pronto. Que se pode dizer? Talvez o leitor tivesse gostado mais de ali ter estado do que eu. Talvez sentisse o mesmo face à decoração e às farpelas extravagantes que os comensais ostentavam um pouco por toda a parte. Enfim, resumamos, para assim podermos parar de divagar: estávamos perante o pós-modernismo na sua maior manifestação de força.

Assim que entrámos, Ramalho apresentou-nos a sua amiga, que por sua vez nos apresentou as amigas. As coisas começavam a compor-se. O meu amigo poeta, claro, nem ligou às donzelas. Só tinha olhos para a Rita. Conversavam sem parar e iam bebendo a bom ritmo, ao mesmo tempo que o Mendonça ia conseguindo enrolar uma das raparigas que nos tinham apresentado. Entretanto, chegou o namorado do Ramalho, que nunca tinha visto. A descoberta não me espantou muito. A rapariga que sobrava meteu conversa comigo, mas o arranjo não me entusiasmou muito. Não é que fosse feia, mas não era fácil de aturar nem interessante. Apesar de me parecer que ela estava disposta a vir-se embora dali comigo, percebi imediatamente que isso me daria mais trabalho do que proveito.


Aguentei uma hora, hora e meia, e acabei, muito naturalmente, por ser o primeiro a sair. Estava tudo mais ou menos na mesma, excepto os níveis de alcoolemia dos meus companheiros, que subiam progressivamente. Achei que já não ia perder grande coisa, despedi-me deles e fui embora dali. Pelo que soube depois, no entanto, os acontecimentos da noite estavam apenas no início.

26 abril 2014

o meu amigo poeta (XXXIV)


Estava tudo a correr muito bem, até que o Mendonça entrou na sala com uma expressão embaraçada.

Acabou-se o vinho”, disse ele. Depois, pôs-se a justificar aquela falha, a dizer que tinha feito mal as contas no supermercado, a explicar que tinha calculado um determinado número de centilitros de vinho por pessoa, que era como habitualmente fazia, mas que se enganara depois a converter os centilitros em litros e, consequentemente, a reconvertê-los num número de garrafas adequado ao número de convivas.

Espero que me desculpem. Mas que maçada”, terminou ele.

Uma vergonha, Mendonça”, disse o meu amigo poeta, “uma vergonha.” E começou a rir-se às gargalhadas. “Oh, mas que civilizado que está o nosso anfitrião de hoje!” Pôs uma pose de empregado de café, servil e empedernida e, voltando-se para os restantes: “Desculpem pela maçada!”

Eu não achei grande piada àquilo, mas a Rita e o Ramalho riam-se às gargalhadas. E o truque acabara ainda por surtir o efeito desejado: o Mendonça estava já um pouco mais tranquilo e ria também, um riso mais contido, mas, mais importante, um riso de despreocupação.

Acabámos por decidir que prolongaríamos a noite noutro local. Foi Ramalho que escolheu o destino seguinte. Pelos vistos, uma outra amiga dele ia abrir uma casa, e aquela era a noite da inauguração. Apesar de já se ter comprometido em estar presente no evento, disse que ia para onde nós escolhêssemos ir, porque a noite lhe estava a saber bem, mas toda a gente aceitou.

A noite estava agradável e completava bem o nosso estado de espírito. Estava uma brisa fria, mas não demasiado fria, que nos despertava do torpor em que nos encontrávamos antes, devido ao conforto da refeição e da temperatura quente da casa do nosso anfitrião. A lua irradiava uma luz branca que destacava os contornos das árvores da avenida.

Eu, o Ramalho e o Mendonça seguíamos à frente, embrenhados na discussão de um acontecimento político recente do qual, sinceramente, já não me recordo. Lembro-me, contudo, de olhar varas vezes para trás, discretamente, e de vê-los a caminharem lado a lado, muito próximos um do outro. Falavam num volume muito baixo, quase por sussurros. Rita tinha um sorriso mais aberto do que o dele, mais transparente e generoso. O sorriso do meu amigo poeta era mais contido. Calculo que o tentasse dissimular para que o seu rosto não se transformasse rapidamente no rosto frágil e embevecido de um apaixonado. Caminhavam ambos com os rostos voltados para a frente. Evitavam olhar-se muitas vezes e, quando isso acontecia, faziam-no rapidamente, quase a medo. Volta e meia, desviavam-se o suficiente do seu rumo para um braço dela e um braço dele pudessem roçar, ainda que ao de leve, um no outro. Estavam envolvidos por uma espécie de sincronismo difícil de descrever. Aparentemente, os seus corpos entendiam-se sem precisarem olhar um para o outro.


Todos estes sinais constituíram, para mim, uma confirmação suficiente. Já não me restavam dúvidas. Havia qualquer coisa a acontecer ali.